☕Como alunos utilizam IA nos estudos?
#50: De resumo de vídeos a questões personalizadas de prova, uso cresce em diferentes idades
As tecnologias de Inteligência Artificial (IA) já fazem parte da rotina de muitos estudantes brasileiros. No Brasil, sete em cada dez alunos usam IA para estudar. Na Intervalo #50, última da série de quatro edições em parceria com a Pearson sobre IA na educação, fomos conversar com os alunos para entender como eles têm usado as ferramentas na prática. Para avaliar se os usos são pertinentes, professores e especialistas comentam indicando bons motivos para sorrir – como a possibilidade de aprendizagens personalizadas – e preocupações, como a falta de preparo de alunos e docentes para explorar a IA generativa de maneira eficaz no ensino e na aprendizagem.
Da produção de questões objetivas e correção de uma redação com feedbacks personalizados até a resolução de equações matemáticas — passando pela criação de cronogramas, roteiros e resumos de estudo —, há diversas possibilidades de uso da IA no cotidiano escolar. A lista é extensa e variada e, por isso, quem utiliza precisa estar atento para não tornar fonte de conhecimento o que deve ser tratado como ferramenta de apoio.
“Tenho utilizado principalmente o ChatGPT, para buscar possíveis repertórios para redação. Peço para pesquisarem livros, citações, filmes e séries que se encaixam no tema, e também para criar questões sobre um capítulo específico de um livro que envio para a IA", conta Paulo Henrique Périco, estudante do 3° ano do Ensino Médio na Elite Rede de Ensino, no Rio de Janeiro.
“Também uso a Monica [extensão do ChatGPT], que me permite resumir vídeos do YouTube sobre provas de vestibular. Costumo testar o nível de desempenho das IAs também. Por exemplo, peço para fazer o resumo de um vídeo que já conheço, para verificar se é coerente com o conteúdo", explica Périco, que, este ano, tenta uma vaga no curso de Medicina.
“Uso diferentes ferramentas: o ChatGPT como assistente para corrigir meus textos; a IA do Microsoft Bing para resolver exercícios de matemática e física, com opções de interação para conversar; a IA da Meta para dúvidas que surgem em uma conversa no WhatsApp, por exemplo", conta Daniel Ribeiro, professor de Filosofia pela UFRJ, que dá aulas particulares de pré-vestibular e também é estudante de Direito na PUC-Rio.
Na jornada dupla de aluno e educador, Ribeiro vive os dois lados da relação com as IAs generativas. “Enquanto estudante, a experiência tem sido boa. No entanto, como toda ferramenta, creio que precisa de formação [de quem usa] para ser bem empregada. Hoje, vejo nos meus alunos de Filosofia de Ensino Médio e nos meus colegas da universidade um emprego desonesto desse tipo de ferramenta. Nestes casos, as IAs acabam atrapalhando, em vez de auxiliar", afirma.
Se, para especialistas, ainda é cedo para afirmar a eficiência de IAs para os estudos, é possível constatar que a maioria dos estudantes brasileiros ainda não está pronta para este tipo de tecnologia, apesar do uso crescente. “Há pesquisas com resultados promissores e outros, mistos. Por isso, é preciso cautela e continuar pesquisando", argumenta Rafael Parente, PhD em Educação pela Universidade de Nova Iorque e pesquisador do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Em sua visão, o uso da IA exige mais do que o mero acesso à tecnologia. “Devemos desenvolver habilidades de pensamento crítico, autorregulação, análise e discernimento para que a ferramenta seja utilizada de forma consciente e responsável, evitando os perigos da dependência tecnológica e da passividade intelectual", defende Parente, que é cofundador e presidente do Instituto Salto.
Tempo e personalização
Além da curiosidade, estudantes têm recorrido às IAs por dois motivos na hora estudar: personalização do conteúdo e otimização do tempo com tarefas consideradas repetitivas. “A IA consegue fazer, em poucos segundos, atividades maçantes, manuais ou que exigem muito tempo. Então, posso dedicar tempo a outras demandas que fazem mais sentido para mim", conta Vinnicius Rodrigo, aluno de Design na Cesar School, em Recife.
Estudante de Psicopedagogia na Uninter, Camile Tesche conta que usou o ChatGPT para criar um cronograma de estudo personalizado. “Informei restrições de tempo e temas de interesse de estudo, e ele me gerou uma espécie de calendário, distribuindo os momentos e ações”, explica a estudante, que é graduada e mestre em Literatura pela USP, além de tecnóloga em Design Educacional pela Unifesp.
“A IA possibilita a personalização do aprendizado, adaptando o conteúdo e o ritmo de acordo com o perfil de cada aluno, desde que seja utilizada de forma planejada e com foco no desenvolvimento dessas habilidades. Com o aprendizado mais interativo, os estudantes tendem a se sentir mais motivados e participativos", avalia Parente.
Papel da escola e do professor
Unir interatividade com bons conteúdos deve ser um dos papéis da escola e do professor. Diante de um mar de oportunidades e variedade de ferramentas, é preciso guiar e dar limite às expectativas, mostrando quais os caminhos e objetivos se pretende alcançar ao estimular ou introduzir o uso de determinada ferramenta em tarefas de estudo. Na visão de Daniela Lyra, designer instrucional na Casa Thomas Jefferson, em Brasília (DF) e especialista em IA na educação, a postura contribui para evitar a ideia da “inteligência artificial como tecnologia salvadora da educação”.
“As IAs podem auxiliar neste tipo de construção de conhecimento. Por exemplo: alunos podem transformar um texto em um podcast com o NotebookLM, da Google. Mas esse tipo de uso não necessariamente traz a revolução prometida na educação se não olharmos para que tipo de provas – e, por consequência, aprendizado – queremos promover", alerta Lyra.
Por outro lado, alunos relatam que as discussões sobre IA ainda são pouco abordadas nas salas de aula. “Nossos professores não estimulam [a pensar] como podemos fazer uso da IA de forma crítica. Muitos estudantes acabam delegando 100% para a IA e não têm esse processo crítico. Terceiriza tudo e fica refém. Se não tiver IA, acabou tudo", observa Vinnicius.
George Stein, fundador da Pedagog.IA e professor de pós-graduação da Sustentare, defende que para que haja uso crítico da IA, a tecnologia “tem que estar inserida numa proposta com intencionalidade pedagógica, onde o professor também esteja capacitado, e isso ainda não aconteceu". Para ele, o papel do professor é decisivo no processo de mediação. “O professor vai ser sempre necessário. A grande questão é como o ajudamos a ser um melhor mediador humano usando a inteligência artificial generativa."
Lyra observa que, de fato, as gerações dos ditos “nativos digitais” se caracterizam por modelos de aprendizagem multitarefa e são dependentes de tecnologias de comunicação para acessar informações e interagir com outras pessoas. Ainda assim, é preciso atenção. “O termo ‘nativos digitais’ não afirma que essas gerações que já nasceram em um mundo rodeado por tecnologias sabem usar IAs de forma segura, ética e eficaz para desenvolver as suas habilidades cognitivas e emocionais", alerta.
Um dos pontos comuns apontados por especialistas é a necessidade de combinar o uso das IAs com métodos de aprendizagem humanas, como a troca entre aluno e professor, a interação com colegas de classe, a prática da leitura, o consumo de vídeos e podcasts confiáveis e a participação em atividades práticas e voltadas para questões do mundo atual. Dessa forma, as ferramentas de IA seriam não substitutas, mas complementares e potencializadoras dos processos de estudo, ensino e aprendizagem.
Educação Midiática e IA na prática: Neste relato, o professor Marcelo Vieira compartilha uma atividade prática utilizando IA com seus alunos de 8º ano do Colégio Santa Marcelina, em SP. “Com o objetivo de impulsionar a curiosidade e o aprendizado ativo, introduzimos os alunos à engenharia de prompts, a arte de ‘conversar’ com a IA generativa de forma eficaz.” Atividades deste tipo são educação midiática na sua essência, contribuindo para promover a reflexão crítica sobre o processo de pesquisa usando IA. Confira o depoimento completo.
Entre otimismo e preocupação: Este artigo, publicado pela Harvard Business School [em inglês, mas a IA do Google traduz direitinho], apresenta o relato de educadores de sete países sobre o uso de IA nas chamadas “aulas de caso” – uma metodologia em que alunos aprendem a partir de situações concretas e do mundo real. De queixas a práticas antiéticas a um olhar voltado para a medição da preferência dos alunos, os entrevistados se dividem entre otimismo, preocupação e ação. Vale a leitura.
Utilidade e ponderação marcam este outro artigo, publicado pela FGV, que traz pontos úteis e ponderados sobre como a IA pode auxiliar nos estudos. Aqui chamo atenção para essa palavrinha mágica quando falamos desse assunto: auxiliar, que é diferente de substituir. Vamos usar, experimentar, mas nem pensar em deixar a IA te substituir. Afinal, criatividade, senso crítico e a própria inteligência são características 100% humanas.
Nota: Este conteúdo foi produzido pela Lupa com o apoio da Pearson, empresa de aprendizagem com clientes em quase 200 países. Para saber mais sobre a parceria, clique aqui. Para ler as edições anteriores da Intervalo, basta acessar este link.