☕ Educadores devem ter medo da IA?
#48: Especialistas avaliam a entrada das tecnologias de inteligência artificial na escola, com bons exemplos e desafios a serem superados no futuro
A Intervalo #48 traz a segunda parte da série sobre inteligência artificial e educação brasileira, em parceria com a Pearson. Nesta edição, você vai entender o motivo dos educadores estarem divididos entre o receio e o entusiasmo com uso da IA e descobrir aplicações que já estão em curso fazendo a inteligência artificial transformar dinâmicas educativas, dentro e fora da sala de aula.
O uso de tecnologias de inteligência artificial (IA) tem crescido na educação e deixado professores divididos entre o entusiasmo e a preocupação. Um levantamento realizado pelo Semesp, este ano, mostra que 75% dos educadores enxergam a tecnologia e a IA como aliadas no ensino, mas apenas 40% fazem uso recorrente deste tipo de ferramenta em sala de aula. O percentual de uso ainda é considerado baixo por especialistas no assunto, mas a perspectiva é de crescimento.
“Há um medo muito grande dos professores em aderir à inteligência artificial no mesmo momento em que seus alunos também estão descobrindo a IA. É novo para todo mundo, tanto para mim como para meus alunos”, afirma Yann Spinelli, pesquisador na área de IA e educação pela UNESA e professor de Biologia no Andrews, no Rio de Janeiro.
Desde o início de 2024, ferramentas de planejamento, criação e correção automática de questões objetivas e discursivas têm sido implementadas, em especial pelas grandes redes privadas de ensino. Apesar do crescimento do uso, o receio ainda é comum e pode ser explicado principalmente pela falta de entendimento sobre como as ferramentas de IA funcionam, em especial as LLM, sigla em inglês para ‘Grande Modelo de Linguagem’, um tipo de IA generativa, alimentada por um grande conjunto de dados textuais da internet.
Ao analisar esse conjunto de dados, um LLM como o ChatGPT ou o Gemini, aprende a relacionar quais palavras têm mais chance de serem colocadas em sequência com outras, para completar frases e produzir novos textos, imagens ou vídeos. ”Muitas pessoas ainda não entendem o funcionamento de uma tecnologia de IA generativa, que é apenas um dos tipos entre as várias desenvolvidas no universo da inteligência artificial”, explica Spinelli, que está produzindo uma tese de doutorado sobre o uso de IAs por professores nas salas de aula.
Enquanto aumenta a realização de tarefas com IA generativa, pouco se fala sobre seu funcionamento, o que dificulta uma visão crítica sobre o assunto, lembra Spinelli. A consequência é o aumento da insegurança de se aproximar, testar e discutir sobre as inovações – incluindo riscos e potencialidades – que este tipo de tecnologia pode gerar na educação.
Para Tanci Simões, pesquisadora sobre IA Generativa para aprendizagem na UFPE, a maior inovação está na possibilidade de construir experiências de aprendizagem mais elaboradas. “Encapsulada em ChatGPT, Copilot ou Synthesia, [a IA generativa] transforma a maneira como lidamos com a informação: como a manipulamos, a acessamos e como produzimos, a partir disso. Logo, certamente tem impactos sobre como aprendemos”.
Em sua visão, sem a devida compreensão, o uso das IA na educação tende a estar ligado à uma lógica de produtividade, que reproduz e reforça modelos convencionais de ensino, prejudicando a compreensão dos alunos sobre um uso adequado da IA para aprender.
“Poderíamos ter professores construindo modelos avaliativos mais ricos, inclusive, melhor embasados, com uma adoção gradual da IA. Professores buscando aprimorar suas capacidades narrativas, incorporando conhecimentos consolidados de neurociência na maneira como criam suas aulas, materiais, provas, mas ainda estamos obcecados com a ideia dos nossos alunos desinteressados com as aulas que nós mesmos odiávamos em nossas épocas de escola”, completa Simões, que também é designer educacional e professora no Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, Cesar School, um instituto de ciência e tecnologia do Recife (PE).
Brasil inova com ‘IA desplugada’
No Brasil, apesar de 89% das escolas municipais e estaduais estarem conectadas à rede, somente 29% contam com dispositivos para acessar a internet. No quadro geral, apenas 22% da população tem qualidade significativa de acesso à internet – o que inclui aparelhos e infraestrutura para navegar. Diante do baixo nível de conectividade, uma tecnologia inovadora tem se destacado positivamente: a ‘IA desplugada’.
Pensada para funcionar em escolas sem internet ou com baixa conexão e em contextos de falta de celulares ou computadores, a IA desplugada é a base do aplicativo “Acompanhamento Personalizado de Aprendizagem”, desenvolvido pelo Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
A ferramenta corrige textos escritos à mão por crianças e gera dados analíticos sobre suas competências de leitura e escrita. “O educador pega um celular, tira uma foto da redação do aluno e, quando a internet estiver disponível, envia ao nosso servidor. Com recursos de IA, fazemos uma avaliação automática dessa redação, oferecendo um dashboard com o diagnóstico, empoderando o professor para auxiliar os alunos a escreverem melhor”, explica Seiji Isotani, membro do NEES/UFAL, e presidente da Sociedade Internacional de Inteligência Artificial na Educação (IAIED Society). Durante o período de aplicação, textos de mais de 500 mil alunos foram analisados, beneficiando 20 mil professores em 1500 municípios brasileiros.
Na visão de Tanci Simões, assim como acontece com qualquer outra tecnologia, a compreensão e apropriação da IA, em um país como o Brasil, têm um ritmo próprio, tratando-se “menos da quantidade de novos recursos baseados em IA Generativa, e bem mais no amplo letramento midiático como parte da formação dos cidadãos”. Nesse sentido, ela defende que qualquer ação significativa para democratizar o conhecimento e uso da IA passaria necessariamente pela elaboração de políticas públicas.
Inovação, tempo e autonomia
Para inovar também é preciso tempo, elemento escasso na rotina dos professores. “Criar experiências de aprendizagem de excelência requer tempo. Combinar os conhecimentos sobre diferentes metodologias ativas, objetivos de aprendizagem, currículos, ferramentas e ainda nossas percepções pessoais sobre os alunos, e encapsular em entregáveis, como a aula, apresentações de slides, materiais de estudo, exercícios, avaliações, relatórios. Há etapas que já realizamos sem sequer refletirmos, a depender do nível de esgotamento em relação às demandas, que não se limitam ao contexto de sala de aula”, explica Simões.
Na visão de Luciano Sathler, especialista em Educação a Distância no Brasil, a inovação ligada à IA na educação é estratégica para que o Brasil desenvolva autonomia no campo tecnológico, sem depender de produtos estrangeiros.
“Aqui, vemos mais a utilização de modelos desenvolvidos pelas Big Techs para inovar. Governos estaduais e Federal deveriam se concentrar no desenvolvimento de tecnologias de IA próprias. Fazer parcerias com empresas brasileiras é altamente recomendável”, defende Sathler, que atualmente preside a Comissão Temporária do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais, com foco na elaboração de normas para Educação a Distância (EaD) e uso de Inteligência Artificial (IA) na Educação Básica do estado.
Sathler lembra que outros países já têm desenvolvido seus próprios modelos de linguagem para IA, como a China, que criou um assistente virtual, utilizando modelos de LLM em código aberto, para auxiliar no acompanhamento e suporte a estudantes com dificuldades de foco, atenção e aprendizagem. O valor de IAs brasileiras, estaria também em serem contextualizadas às demandas sociais e educacionais de cada região do país. “É preciso evitar o colonialismo de dados. Trata-se de um tema estratégico ao desenvolvimento nacional, que passa, necessariamente, pela educação”, defende o especialista.
Uma pesquisa (em inglês) publicada pela Pearson, parceira desta edição da Intervalo, em junho de 2024 mostrou que o uso de IA generativa no contexto da educação brasileira poderia economizar quase 339 mil horas semanais, ajudando educadores a desenvolver programas ou planos educacionais. O levantamento analisou o potencial da Inteligência Artificial (IA) Generativa no incremento da produtividade em diferentes atividades laborais, em cinco países: Austrália, Brasil, Índia, Estados Unidos e Reino Unido.
Se você se interessa pelo tema da IA na educação, precisa conferir a seleção de melhores artigos da 25ª Conferência Internacional de Inteligência Artificial na Educação (AIED 2024), realizada em julho deste ano, em Recife. Entre os destaques, um artigo sobre como ensinar programação na era da IA e o case do Interpret3C, ferramenta de agrupamento interpretável de alunos por meio de seleção individualizada de recursos.
Para fechar, o relatório 'O Futuro da aprendizagem: como a IA está revolucionando a educação 4.0' (em inglês), publicado pelo Fórum Econômico Mundial, mostra como este novo tipo de tecnologia pode facilitar e automatizar tarefas administrativas, liberando professores para maior foco no ensino e na personalização de conteúdo.
Nota: este conteúdo foi produzido pela Lupa com o apoio da Pearson, empresa de aprendizagem com clientes em quase 200 países. Para saber mais sobre a parceria, clique aqui.